quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Balanço Indochina

Finalmente consegui terminar a organização das fotografias e fazer algumas considerações finais do que vi e experienciei.

Uma característica comum nestes 3 países é a grande presença da religião na vida dos seus habitantes e, por isso, não é de admirar que o facto de Laos e Cambodja serem mais semelhantes entre si e um pouco diferentes da agitação do Vietname possa ser deveras influenciada do tipo de Budismo praticado e origem de tal cenário. Em Laos e Cambodja pratica-se o Budismo Theravada (assim como, por exemplo, na Tailândia e Myanmar) enquanto que no Vietname, muito influenciado pela China, predomina o Budismo Mahayana (assim como, por exemplo, além da China, Tibete e Japão).
Mesmo ali ao lado, na Malásia, encontra-se um exemplo da elevada importância da religião na vida do país, onde os eleitores votam nos partidos políticos predominantemente de acordo com a sua religião. O facto de hoje se poderem encontrar muitos indonésios na Malásia deve-se a isto. Há alguns anos atrás, o governo Malaio (muçulmano) ao ver uma diminuição relativa de votantes no seu partido, resolveu facilitar a imigração de indonésios com o intuito de aumentar o número de votantes no seu partido.
Em Laos, local onde se “tropeça” em templos, o “Sabaidee” fica-nos na memória! Se em Portugal, quando se saúda alguém, se faz com um curto “bom dia”, “olá” ou em inglês com um “hi/hello”, em Laos faz-se com um longo “sabaideeeeeeeee”. No início ainda comecei a pensar que seriam coincidências mas depois, independentemente de ser na rua, num mercado, num restaurante, ... em todo o lado, saúdam-se as pessoas com um longo “sabaidee” que, para quem não está habituado, dá ideia que estão a contemplar e saudar de verdade a pessoa com a qual cruzaram.

No Cambodja, mais em Siem Reap do que em Phnom Penh, a saudação faz-se com uma pequena vénea em que as mãos ficam palma com palma junto ao peito, principalmente em hotéis, restaurantes e locais de comércio.
O Cambodja é um país onde contrasta o deslumbrante, o mau e o feio. Os templos do império Khmer dos séculos IX-XII, maioritariamente em Angkor, são algo a não perder! É pena muitos templos correrem risco de colapso e muitos já terem sofrido saques e terem sido vandalizados, principalmente, durante a guerra civil e do regime de Pol-Pot. Em Phnom Penh o mais marcante são sem dúvidas os vestígios do genocídio perpetrado pelo Khmer Rouge, liderado por Pol-Pot, que é difícil de acreditar que ocorreu há apenas 30 anos e ninguém fez nada...
Dos 3 países, o Cambodja é o país com melhor nível de inglês e é curioso que um dos desportos principais seja o voleibol. Em quase todo o lado se pode encontrar uma rede de voleibol (semelhante ao que acontece com os campos de futebol em Portugal).
O que não estava à espera de encontrar eram tantos casinos no Cambodja, é um país onde se joga muito mas o mais curiosos é que a entrada está vedada aos Cambodjanos. Só é autorizado a estrangeiros e, por isso, encontram-se com maior densidade junto às fronteiras.
Os venderores de rua mais simpáticos encontrei no Cambodja! Era um diálogo muito divertido (para ambos)! Faziam de tudo para vender “leva isto para a tua namorada/mulher”, “não tenho”, “então leva para a tua mãe”, “já lhe comprei presentes”, depois ainda pensavam mais um bocado e lá respondiam “compra-lhe outra prenda” ou então “leva para amigas”!!!... O mais engraçado surgiu quando lhes comecei a responder “não quero, obrigado” em Khmer. Quase todos me respondiam de imediato “queres, queres. Vais comprar” também em Khmer! :-) Uma vez que isso não resultou, tentei noutras línguas - francês, espanhol e chinês – que deu para ter um diálogo interessante. Francês e espanhol também desenrascam, mas chinês já não. Depois explicaram-me que como os chineses são maus compradores, eles não se aplicam no chinês.
Se ouvirem dizer que os cambodjanos não gostam dos tailandeses e vietnamitas, isso é verdade. Isto acontece porque no passado tiveram muitas guerras com estes países e actualmente é comum o Vietname e, principalmente, a Tailândia tentarem roubar território aos Cambodjanos.

O Vietname tem uma grande influência chinesa e, por isso, a sua história cruza-se com a chinesa mas, curiosamente, acabou por não adoptar o alfabeto chinês, mas sim o ocidental. Quanto ao alfabeto, Vietname, Cambodja e Laos adoptam todos alfabetos diferentes! O do Vietname é o ocidental com algumas nuances mas o dos outros 2 países é totalmente distinto (ver imagem abaixo).



O que mais marca o Vietname, talvez por causa dos filmes, é a famosa guerra do Vietname que os EUA levaram a cabo. Até na Cidade Proibída, em Hué, se encontram efeitos dessa guerra numa grande parte que foi destruída nesse período.
É engraçado ver que um dos actos heróicos atribuídos aos imperadores Vietnamitas prende-se com as suas aventuras com as concubinas. Há até um imperador (que já não me recordo do nome) que é conhecido por engravidar 7 mulheres num dia!...

Os condutores de tuk-tuk são uma constante nestes países e, como vivem muito do turismo, conhecem muitos dos locais a visitar. Uma coisa importante é negociar os preços antes de entrar nos mesmos mas, mesmo assim, não é garantido não haver problemas (também nada que não se resolva). Nos primeiros dias em cada cidade tenho quase a certeza que fui enganado algumas vezes mas, ao fim de algum tempo começava a conhecer quais os valores apropriados e já era eu que propunha o preço. No último dia em Luang Prabang, ao regressar ao hotel fui de tuk-tuk e propus logo 10000 kip (o valor justo que equivale a cerca de 1€) mas ele pediu mais e como já não tinha paciência para negociar lá aceitei “seventeen”. E não é que o chico-esperto quando me deixou no hotel me pede 70000 kip jogando com o facto de em inglês se poder confundir “seventeen-seventy”. “Tu és maluco. Por esse valor dava várias vezes a volta à cidade”, disse-lhe eu. Só que ele não desistiu mas, como era eu que tinha o dinheiro na mão..., dei-lhe o que tinha acordado e virei-lhe costas.
Um destes condutores que eu não me esqueço foi um de mota em Hué. O que ele se esforçou para que eu fosse transportado por ele. Foi hilariante! Estava eu a caminhar à noite junto ao rio de Hué e vem ele ter comigo a perguntar para onde ia e se eu precisava de transporte. Disse-lhe o nome do bar para onde estava a ir e acrescentei que preferia ir a pé e que até sabia que era um pouco mais à frente (segundo o mapa). Então ele começa a dizer-me que deveria ir a outro bar onde há mulheres “jeitosas” e começa a contorcer-se, a gemer e coçar-se em cima da mota tentanto imitar o que eu iria encontrar e como elas agem. Foi demais e é pena não ter registado isso em vídeo: “gooda girl”, “you dance, la la la, you drink, u u...”, “gooda, gooda”. Foi tão cómico que eu não resisti e desatei à gargalhada. O homem até quase que caia da moto enquanto tentava exemplificar como era!!!

Também em Hué, fui assistir a um concerto de música tradicional num barco. À noite, dezenas de barcos, sensivelmente de 2 em 2 horas, partem para o meio do rio Perfume com turistas a bordo para dar um concerto. Dentre cerca de 20 pessoas, eu era o único não vietnamita, por isso, não percebi nada do que diziam antes das músicas. E, no final, havia um ritual de cada pessoa acender uma vela num pequeno cesto de papel e pousar no rio talvez para pedir algum desejo (?). O que me safou nesta altura foi uma das cantoras que veio ter comigo e me entregou uma vela para eu também depositar no rio. E, nesta altura, aconteceu uma coisa engraçada. Havia um miúdo (1-2 anos) que estava no colo dos pais e quando de cruza comigo pede para vir para o meu colo... pego nele e, ao fim de alguns minutos quando a mãe o vem buscar ele não quer ir!... Agora imaginem o que é um ocidental no meio de vietnamitas com um miúdo vietnamita ao colo. Toda a gente começa a rir-se e os pais sacam logo da máquina fotográfica para me tirar fotografias com o filho deles. Pena é eu nunca ter andado com máquina fotográfica à noite e, por isso, não ter podido registar este momento!
De qualquer forma encontrei no You Tube um vídeo que dá uma pequena ideia destes concertos no rio em http://www.youtube.com/watch?v=ANkKz7yyccg



Uma coisa que aconselho no Vietname e Cambodja (não encontrei em Laos) é contratar um condutor de cyclo (bicicleta com um banco á frente) durante 1 hora. Isto é um serviço que eles tentam impingir aos turistas e é interessante para ficar a ter uma panorâmica da cidade, e eles até tentam explicar os locais por onde se vai passando.
Eu experimentei por duas vezes conduzir a bicicleta e aquilo não é nada fácil. Em Hué aproveitei uma estrada comprida com uma pequena inclinação, a caminho do Pagode de Thien Mu. Primeiro dava muitas vezes com os joelhos na cadeira e depois os pseudo-travões eram muito fracos e eram num puxador por baixo do banco (=> tirar as mãos do “volante” para travar). Houve uma altura que aquilo começou a embalar e como não conseguia controlar a bicicleta parei logo e troquei com o condutor antes que eu e ele nos aleijássemos.
Além do tuk-tuk e cyclo, há também os “moto-taxis”, muito comuns principalmente no Vietname. Andei mais de mota durante estas semanas que no resto da minha vida! É agradável principalmente quando está calor.
Enquanto que no Vietname, desde o ano passado, é obrigatório o uso de capacete (mal entramos nas motos eles dão-nos um capacete “tipo-penico”) já no Cambodja não é necessário.
Devido à forma desorganizada, embora (felizmente) lenta, como eles conduzem, apanham-se muitos sustos! Houve várias vezes que eu respirei fundo quando via carros ou uma imensidão de motos a vir na nossa direcção, principalmente quando estava nos cyclos em que ia mesmo na frente do veículo, sendo portanto o pára-choques. Depois tinha-me sempre de lembrar que eles estavam habituados e, por conseguinte, não havia que preocupar (muito). Mas mesmo assim...

Um conselho que dou é andar sempre com um mapa e nos primeiros dias numa cidade tentar orientar e obter pontos de referência. Isso ajuda muito a ter uma noção da distância a percorrer e, principalmente, se nos estão a levar para o local correcto. No último dia à noite, em Phnom Penh que não conhecia muito bem, houve uma altura que comecei a desconfiar do condutor do tuk-tuk pois estava-me a levar por umas ruas escuras que eu desconhecia mas, felizmente, ao fim de algum tempo encontrei território conhecido. Outra utilidade, de ter um mapa e ter uma noção da orientação da cidade, é para indicar o caminho aos condutores de tuk-tuk. Em quase todas as cidades houve alturas que tive de ser eu a dizer-lhes o caminho para onde pretendia ir.

Quanto à vida nocturna, não é nada de especial. Em Vientiane segundo o que percebi a melhor discoteca é a “Lunar 36” que fica num hotel. É um local agradável, onde se encontram locais e estrangeiros, que começa muito tarde. No dia em que estive lá esteve toda a noite a dar hip-hop! Luang Prabang tem legislação local de fechar bares e discotecas às 23h30 e, por isso, não há nada de especial.
Nas discotecas do Vietname, como pelos vistos não é muito comum as mulheres sairem, assim de repente, quando nada o fizer esperar (ou eu é que sou ingénuo) estão-te a propor ir para o hotel e a fazer um preço!...
Comum nestes países são as mesas de bilhar nos bares onde se pode jogar de borla. Joga-se ao “bota-fora”. Quem quer jogar, escreve o seu nome num quadro e joga quando chegar a sua vez. É uma boa forma de conversar com locais mas as mesas estão muitas vezes em mau estado (descaem). Foi desta forma, conversando com o barman e barwoman dum bar em Hué (Brown Eyes, aconselho) que aprendi muito vietnamita e também fiquei a conhecer melhor o que eles pensam, por exemplo, dos americanos.
Por acaso, a mesa de bilhar foi a minha salvação em Phnom Penh. À noite resolvi ir a um bar OneZeroFour que tinha lido ser um dos melhores (mentira). Mal entro lá dentro assusto-me, estava “vazio” e com cerca de 15 mulheres que param todas a olhar na minha direcção e algumas a gritar. Pensei logo em ir-me embora mas não dei a parte fraca! :-) Segui em frente directamente para o 1º andar que sabia ter uma mesa de bilhar. Fiz algumas partidas, algumas das quais com um australiano que entretanto também entrou lá e que trabalhava há 3 meses em Phnom Penh, e depois fui-me embora.

O que é que os habitantes de Laos, Vietname e Cambodja conhecem de Portugal? Infelizmente (ou felizmente) é apenas o futebol e Cristiano Ronaldo. Por vezes é mais fácil dizer que somos de Portugal se dissermos que somos do país do Cristiano Ronaldo. Eles gostam muito do futebol e enquanto estive por lá, eles encontravam-se a preparar ansiosamente para assitir ao europeu de futebol.
No Vietname o guia ainda me disse “nós aqui nunca ouvimos de falar de Portugal excepto pelo futebol. Portugal é um país pacífico/calmo, não é?!... De Espanha ainda ouvimos notícias da ETA mas de Portugal nada...”. Também há vantagens de não sermos famosos!!!
Um dos artefactos em que marcamos presença são os canhões de guerra da altura dos descobrimentos. Em todos os que encontrei referiam-me quase sempre que tinham vindo dos portugueses!
Uma coisa que adorei nestes países foi a variedade e quantidade de fruta que têm. Enquanto que em Portugal, e de certa forma na Europa, se quisermos comer alguma coisa entre as refeições estamos condenados a bolos e pão, na Indochina, só há fruta, alguma da qual muito boa. Soube-me tão bem comer um ananás fresquinho (1€) em Angkor Thom quando fazia um calor abrazador!



Desenganem-se os que olham para as máscaras, que as pessoas usam nas bicicletas e motas, e entendem ser por causa da poluição. Também o é mas a maior parte das vezes é para proteger do Sol. Houve zonas rurais (claramente não poluídas) onde cruzei com pessoas com máscara e depois descobri porque também o fazem. É para proteger do Sol! Há mulheres que chegam a ter umas camisas que vestem ao contrário enquanto andam de mota para cobrir os braços e para as mãos usam luvas, tudo para proteger do Sol e assim não envelhecer tão precocemente.



Para terminar demonstro-vos que se as pessoas nestes países podem não ter boas condições de vida, essas dificuldades também têm os animais. A foto seguinte, tirada no Vietname, mostra um burro a ser transportado vivo numa mota!...

As diferenças para Portugal são imensas mas eu vou destacar apenas duas: a pacatez/paciência das pessoas e os standards de higiéne. Na Ásia as pessoas são muito calmas e na estrada nunca se vê ninguém a reclamar com ninguém. Eles usam a buzina exageradamente mas nunca ninguém sequer franze a sobrancelha! O que é muito diferente do que encontramos por cá. Uns dias depois de ter chegado a Portugal, às 8h30 ia eu para o trabalho quando num entroncamento uma motorizada entra pelo lado esquerdo na minha faixa. Como estava a ir muito para o meio da faixa de rodagem resolvi dar uma apitadela para garantir que o condutor me estava a ver. Ui, o homem passou-se, tirou o capacete em andamento e ameaçou atirar-me com ele! Que pessoas stressadas! E, era ao início da manhã!!!...
Também uns dias depois de chegar estava a ver o telejornal e passou uma reportagem dum festival da francesinha onde mostraram a cozinha. Aquilo pareceu-me quase uma sala de operações pois estava muito limpinha e arrumada e os cozinheiros até usavam luvas para manipular os alimentos. Nada que se parecesse com o que eu convivi nas semanas anteriores!!!


Bem, e é tudo, se quiserem ver mais fotos (algumas repetidas) podem ir a http://homepage.esoterica.pt/~rscf/fotos.html#indochina2008